quarta-feira, 16 de março de 2011

A teoria construtivista de Piaget


Introdução

Jean Piaget (1896-1980) criou o termo ‘epistemologia genética’, que compreende o estudo desenvolvimentalista da natureza do conhecimento, ao elaborar a sua teoria, buscou uma embriologia da inteligência que lançasse a luz sobre o problema da relação entre o sujeito agente ou pensante e os objectos do seu conhecimento. A busca, no campo do estudo do conhecimento, levou Piaget da Biologia à Psicologia, através do estudo da mente humana.

Em 1919 frequentou a Sorbonne em Paris, onde fez cursos de Psicopatologia, Lógica, Epistemologia e Filosofia da Ciência.

Ao aplicar testes de inteligência a crianças, sentiu-se cada vez mais interessado na razão pela qual as crianças fracassavam em testes dessa natureza, em lugar de interessar-se pelo estabelecimento de índices normativos de sucesso. Assim, começou a estudar o raciocínio das crianças e os caminhos percorridos por estas para chegar às suas respostas.

Em 1921, com 25 anos de idade, ocupou o cargo de director de pesquisas no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra. Nesta mesma época casa-se com uma das suas alunas do Instituto. Do seu casamento resultaram 3 filhos. Com a ajuda da sua esposa, Piaget estudou o desenvolvimento cognitivo dos seus filhos de forma muito detalhada e minuciosa. A partir dessas observações, fundamentou muitos dos seus livros posteriores sobre o desenvolvimento da inteligência durante a primeira infância e a época em que a criança aprende a andar.

Em 1929, foi nomeado director do International Office of Education e tornou-se membro do Conselho Executivo da UNESCO.

Na década de 1930, o Instituto Rousseau fundiu-se com a Universidade de Genebra no qual Piaget assumiu a posição de director. Piaget afastou-se das actividades como professor em 1971, mas continuou a sua actividade de investigador.


A teoria do desenvolvimento de Piaget e a evolução

Segundo Piaget, as estruturas mentais ou orgânicas que constituem a inteligência, não são inatas (como era defendido pelo maturacionismo) nem determinadas pelo meio (como era defendido pelo behaviorismo). Elas são o produto de uma construção devido as influências do meio e a capacidade do organismo de ser influenciado e de responder a essas influências. É através das acções do indivíduo, a partir de esquemas motores, que se dá a compensação a essas influências ou perturbações do meio, ou seja, a troca do organismo com o meio, graças a um processo de adaptação progressiva, no sentido de uma constante equilibração que permite a construção das estruturas específicas para o acto de conhecer. Essas estruturas caracterizam-se, de um lado, por serem um prolongamento das estruturas orgânicas que nascem com o indivíduo e, por outro lado, por constituírem uma especialização em relação às mesmas, uma vez que essas estruturas são construídas com base na interacção do organismo com o meio.

Piaget realizou experiências com algumas espécies de plantas originárias do mediterrâneo, nos Alpes da Savóia, uma região de dois mil metros de altitude. Ele observou que as plantas reagiam ao novo meio produzindo folhas muito menores e espessas para reduzir a sua área de exposição ao frio, ao mesmo tempo que aumentavam a produção de clorofila e o poder de fotossíntese. Enquanto muitas dessas plantas voltaram à sua forma original quando transplantadas de volta para o jardim de Piaget em Genebra, algumas preservaram o seu tamanho reduzido, por inúmeros descendentes.

Piaget estudou algumas espécies de caracóis, como o Limnses Staganalis, que, em águas tranquilas, apresentava uma concha alongada. Entretanto, quando levado para as praias dos grandes lagos suíços, onde as ondas chocam violentamente contra as rochas, observou que o jovem caracol alterava a sua forma. Facto explicado por os caracóis se colarem firmemente nas rochas, contraindo fortemente a musculatura que os ligam à concha, de cada vez que uma onda se precipitava sobre eles. Essa contracção constante provocou o encurtamento da concha em desenvolvimento, até que esta adquirisse uma forma esférica. Para concluir a experiência, levou alguns desses caracóis para o seu aquário e também para uma pequena fonte de águas tranquilas e observou que os descendentes desses caracóis preservavam a forma esférica por muitas gerações. Através desta experiência, concluiu que os organismos podem adaptar-se geneticamente a um novo meio.


Repercussões da biologia na teoria de Piaget

Nas suas reflexões Piaget diverge de Darwin, o qual considerava os organismos essencialmente passivos, dependentes da mutação fortuita e da selecção natural para a sua sobrevivência. Para Piaget, pelo contrário, a adaptação é um processo dinâmico e contínuo, no qual a estrutura hereditária do organismo interage com o meio externo de modo a reconstituir-se, procurando uma melhor sobrevivência.

Pensando na filogénese humana, através da qual a espécie humana levou milhões de anos para se adaptar dinamicamente ao meio ambiente, através de um processo evolutivo que culminou na transformação do homem num ser cultural.

Voltando-se da biologia para o estudo do conhecimento, começa a perceber a continuidade entre a inteligência biológica (demonstrada até mesmo pelas plantas e pelos animais inferiores) e o conhecimento humano (no seu desenvolvimento a partir da infância). Concluiu então que o conhecimento é uma relação evolutiva entre a criança e o seu meio.

Assim, como nas experiências realizadas por Piaget, onde os caracóis reconstituíram o seu formato, sofrendo uma mudança na sua morfologia para sobreviverem num ambiente hostil, a criança reconstrói as suas acções e ideias em relação com novas experiências ambientais, adaptando-se ao meio que a cerca.

No curso deste contínuo relacionamento com o meio, a criança exibe, em algumas idades, estruturas ou organizações de acção e pensamento características a que Piaget chamou estádios do desenvolvimento intelectual.

Contudo, entendemos que a maior contribuição de Piaget talvez esteja na sua brilhante análise de como o conhecimento humano se desenvolve lentamente, para além das suas origens biológicas herdadas, através de um processo de auto-regulação baseado na resposta do ambiente, que leva a uma reconstrução interna. A habilidade de se adaptar as novas situações através da auto-regulação torna-se um elo comum entre todos os seres vivos e a base da teoria biológica do conhecimento de Piaget.

Para Piaget, a adaptação é a essência do funcionamento intelectual, assim como a essência do funcionamento biológico.

A adaptação ocorre através da organização, onde o organismo discrimina entre os vários estímulos e sensações com os quais tem contacto e os organiza nalguma forma de estrutura. Por exemplo, para o bebé é bem complexa a quantidade de sensações que recebe do meio ambiente (a relação com a sua mãe, onde recebe informações tais como o som da voz, o calor e a macieza do corpo materno, o cheiro e o sabor do leite humano, o movimento tranquilizador do embalo, entre outras). Já na criança maior, a organização pode significar um sistema de classificação que lhe permita seleccionar e rotular objectos, como por exemplo, coleccionar selos, cromos, moedas, caixas de fósforo, latas de vários produtos e muitos outros. Assim, observa-se na teoria Piagetiana que a organização está implícita na nossa herança biológica.

Princípios de sustentação da teoria

Como já vimos, na teoria Piagetiana a inteligência humana é justificada na adaptação do homem ao meio ambiente. Esta adaptação tem como sustentação dois princípios, denominados por Piaget de assimilação e acomodação.

A assimilação corresponde ao processo de recepção do ambiente, de todos os tipos de estímulo e informação, organizando-os para, em seguida, integrá-los nas formas ou estruturas existentes no organismo, criando assim novas estruturas.

A acomodação é o processo que tem por finalidade a busca e ajustamento às condições novas e mutáveis no ambiente, de tal modo que os padrões comportamentais preexistentes são modificados para lidar com as novas informações ou com o feedback das situações externas.

Portanto, a inteligência é o resultado da experiência do indivíduo, pois através da experiência, da acção e do movimento, ele, simultaneamente, incorpora o mundo exterior transformando-o e transformando-se. No primeiro caso, existe assimilação do mundo exterior e no segundo, acomodação ao mundo exterior, isto é, o indivíduo transforma-se e transforma.

Pode-se dizer, de maneira grosseira, que assimilação é o processo de entrada, seja de sensações (através de experiência somatestésicas), no contacto com objectos, pessoas, novos alimentos ou outras experiências vivenciadas no ambiente. É o processo pelo qual as coisas, pessoas, ideias, costumes e preferências são incorporados na actividade de um indivíduo. Por exemplo, ouvindo as pessoas falarem à sua volta, a criança aprende a construção das frases e o sentido da linguagem, muito antes de ser capaz de falar.

A acomodação é o processo ajustador da saída, que consiste em dirigir-se para o meio. Por exemplo, a criança começa a balbuciar em resposta à conversa em seu redor e, gradualmente, aproxima-se das palavras que está a assimilar.

Estes dois processos funcionam simultaneamente em todos os níveis: biológico, afectivo e intelectual, possibilitando tanto o desenvolvimento físico quanto o cognitivo. Na prática, podemos observar estes dois processos no desenvolvimento das crianças, como por exemplo, no bebé que recebe o seu primeiro chocalho, logo tenta assimilá-lo, levando-o à boca, enquanto se acomoda ao tamanho, textura e formato do objecto. Essa experiência, no entanto, produz uma adaptação cognitiva e não digestiva. O bebé aprende que se trata de um objecto que pode ser sugado, agitado, batido, mas não engolido e, a partir daí, modifica a sua compreensão dos objectos que leva à boca e passa a inclui-los em categorias como objectos comestíveis e não comestíveis. Dessa forma, enquanto funciona adaptativamente, o bebé desenvolve-se intelectualmente.

Piaget, refere que [...] nenhum conhecimento, mesmo perceptivo, constitui uma simples cópia do real, porque contém um processo de assimilação de estruturas anteriores.

A criança é um organismo activo e curioso, que se direcciona, experimenta e busca meios de regular o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, entre a sua realidade interior e o mundo em seu redor. Assim como o corpo busca encontrar um estado fisiológico de equilíbrio entre o exercício e o repouso, ou entre a fome e a superalimentação, também a mente da criança busca o equilíbrio entre o que compreende e o que experimenta no seu ambiente.

Esse conceito de equilíbrio faz parte dos primeiros insights da teoria Piagetiana, entendido como sendo o atingir dum estado relativamente constante num sistema de equilíbrio e coordenação em permanente mudança entre o organismo e o seu meio. Esse é um sistema aberto, no qual a resposta do ambiente contribui para um processo constante de reorganização interna e auto-reguladora.

A ênfase da teoria Piagetiana faz-se, principalmente, no processo que traz a esses estados progressivos de equilíbrio, um processo auto-regulador denominado equilibração, como se fosse um termóstato que mantém um equilíbrio constante entre o calor e o frio.

Para Piaget , a equilibração é um processo dinâmico e continuamente auto-regulador do balanceamento das mudanças acarretadas pela assimilação e a acomodação, visando alcançar um estado estável ou de equilíbrio, encarado como um factor organizador subjacente a qualquer desenvolvimento biológico ou intelectual e concebido como um mecanismo de crescimento e aprendizagem no desenvolvimento cognitivo.

Devemos entender que o desenvolvimento é uma equilibração progressiva a partir de um estado inferior até o estado mais elevado de equilíbrio. A mente visa compreender e explicar em todos os níveis, das explicações vagas e incoerentes da infância à riqueza e flexibilidade do pensamento adulto. A teoria Piagetiana concebe esse processo como sendo um mecanismo de crescimento e aprendizagem no desenvolvimento cognitivo.

Pode-se dizer que Piaget é um interaccionista e não um maturacionista como Gesell que encara o desenvolvimento como reflexo da maturação do sistema nervoso. A teoria Piagetiana encara a maturação como um mecanismo fornecedor de condições e possibilidades para o indivíduo responder ao meio ambiente, como um potencial para assimilar e estruturar novas informações a partir dele.

No sentido maturacional, o indivíduo herda uma série de estruturas biológicas (sensoriais e neurológicas) que o predispõem ao surgimento de outras estruturas mentais. O aspecto maturacional do organismo é muito importante, principalmente do sistema nervoso central que, a partir da sua organização, proporciona a interacção com o meio, com o consequente surgimento de novas estruturas mentais que possibilitam a adaptação cada vez maior do indivíduo ao ambiente social, cultural e físico. Uma criança não é capaz de pensar como um adulto porque ainda não dispõe das estruturas lógicas, das organizações de pensamento e dos métodos de raciocínio que lhe permitem lidar com os problemas dos adultos.

Esta teoria mostra que o factor experiência é muito importante, porque se refere à experiência física e empírica, tal como a criança a encontra ao brincar com uma bola, com objectos de encaixes, empurrando carrinhos, contando objectos, levantando pesos ou interagindo de outras maneiras com o meio. A partir de experiências como estas, a criança constrói dois tipos de conhecimento; primeiro acontece o conhecimento físico, que se obtém através da acção sobre objectos e de como estes reagem ou são transformados. O segundo, enquanto conhecimento lógico-matemático aparece à medida que a criança age sobre o objecto, construindo relações lógicas entre estes. Estas acções incluem comparações como mais alto, mais baixo, mais rápido ou maior; envolvem relações que existem não nos objectos, mas na mente da criança que os compara. As relações matemáticas não estão implícitas nos objectos, sendo antes construídas pela criança que os observa ou conta. Por exemplo, um lápis é apenas um objecto físico, mas dois lápis existem com uma relação criada pela mente humana. Portanto, as operações mentais emergem de acções motoras e experiências sensoriais que são interiorizadas, onde a adaptação ao mundo exterior (em termos de aprendizagem) implica uma relação dialéctica e permanente entre os dois processos dinâmicos e complementares (assimilação e acomodação).

Quanto aos chamados esquemas de acção, Piaget relata que: conhecer não consiste, com efeito, em copiar o real mas agir sobre ele e transformá-lo (na aparência ou na realidade), de maneira a compreendê-lo em função dos sistemas de transformação aos quais estão ligados estas acções.

Assim, todo o conhecimento, em todos os níveis, está ligado à acção, compreendendo-se desta forma o papel da assimilação. As acções, com efeito, não se sucedem ao acaso, mas repetem-se e aplicam-se de maneiras semelhantes às situações comparáveis. Desta forma, Piaget, chama esquemas de acção o que numa acção é transponível, generalizável ou diferenciável de uma situação seguinte, ou seja, o que há de comum nas diversas repetições ou aplicações da mesma acção. Então, conhecer um objecto implica incorporá-lo em esquemas de acção, e isto ocorre desde as condutas sensório-motoras elementares até às operações lógico-matemáticas superiores.

A criança estabelece assim a relação com o mundo exterior através da circulação entre as percepções (assimilação) e os movimentos (acomodação), sendo o conjunto de adaptações (na sua circulação materializada pela motricidade) que irá transformar a inteligência prática (sensório-motora) em inteligência reflexiva (intelectual).

Por exemplo, uma criança que teve muitas experiências físicas com um objecto concreto, tal como uma bola, pode formar uma imagem mental desse objecto e agir sobre ele, usando o pensamento da mesma forma que nas suas experiências reais do passado. Já a criança que tem privações com relação às experiências ambientais, como aquela que nunca brincou com uma bola, ficará prejudicada no seu desenvolvimento intelectual. Esta colocação um tanto simplista, mas realista, estende-se a todos os tipos de relações com objectos e com o meio ambiente.

Para Piaget , a transmissão social é constituída de informações aprendidas com outras crianças ou transmitidas por pais, professores, ou livros no processo de educação. Hoje em dia acrescentaria a esta lista a televisão e o computador.

Mas, muitas vezes, o equilíbrio da criança fica perturbado, devido à contradição ou choque de informações que recebe, quer na escola, quer em casa. Este problema é chamado de conflito cognitivo.

Ressaltamos a importância do meio ambiente na teoria Piagetiana, onde este é fundamental no que diz respeito à riqueza ou pobreza da estimulação tanto em aspectos físicos como sociais, que vão interferir directamente no desenvolvimento cognitivo. Porque a criança precisa de um ambiente rico em estímulos, onde possa manipular objectos, explorar ambientes e observar fenómenos naturais.


O que se entende por estádios de desenvolvimento

A criança, à medida que evolui, vai-se ajustando à realidade circundante, e superando, de modo cada vez mais eficaz, as múltiplas situações com que se confronta.

Os sucessivos ajustamentos da criança ao meio que se vão manifestando ao longo do seu desenvolvimento levam a que a inteligência da criança vá assumindo formas diversificadas.

Piaget refere que a aceitação da noção de estádio exige determinados pressupostos, tais como:

-Carácter integrado de cada estádio. As estruturas construídas e específicas de determinada idade da criança tornam-se parte integrante da estrutura da idade seguinte;

-Estrutura do conjunto. Os elementos constituintes de determinado estádio estão intimamente ligados entre si e contribuem conjuntamente para caracterizar determinada conduta;

-Todo o estádio tem um nível de preparação e um nível de consecução. O estádio não surge definido e acabado, mas evolui no sentido da sua superação.

- As crianças podem iniciar e terminar determinado estádio em idades diferentes. O período estabelecido para delimitar os estádios é médio.

Os estádios de Piaget colocam a tónica na função intelectual do desenvolvimento. Ele não nega a existência e a importância de outras funções, mas delimita e especifica o campo da sua investigação ao domínio da epistemologia genética.



Estádios do desenvolvimento

Cada estádio é definido por diferentes formas do pensamento. A criança deve atravessar cada estádio segundo uma sequência regular, ou seja, os estádios de desenvolvimento cognitivo são sequenciais. Se a criança não for estimulada / motivada na devida altura não conseguirá superar o atraso do seu desenvolvimento. Assim, torna-se necessário que em cada estádio a criança experiencie e tenha tempo suficiente para interiorizar a experiência antes de prosseguir para o estádio seguinte.

Normalmente, a criança não apresenta características de um único estádio, com excepção do sensório-motor, podendo reflectir certas tendências e formas do estádio anterior e/ou posterior, por exemplo : uma criança que se encontre no estádio das operações concretas pode ter pensamentos e comportamentos característicos do pré-operatório e/ou algumas atitudes do estádio das operações formais.

Estádio sensório- motor (0 - 18/24 meses)

A actividade cognitiva durante este estádio baseia-se, principalmente, na experiência imediata através dos sentidos em que há interacção com o meio, esta é uma actividade prática. Na ausência de linguagem para designar as experiências e assim recordar os acontecimentos e ideias, as crianças ficam limitadas à experiência imediata, e assim vêem e sentem o que está a acontecer, mas não têm forma de categorizar a sua experiência, assim, a experiência imediata durante este estádio, significa que quase não existe nada entre a criança e o meio, pois a organização mental da criança está em estado bruto, de tal forma que a qualidade da experiência raramente é significativa, assim, o que a criança aprende e a forma como o faz permanecerá como uma experiência imediata tão vivida como qualquer primeira experiência. A busca visual é um comportamento sensório-motor e é fundamental para o desenvolvimento mental, pois este tem que ser aprendido antes de um conceito muito importante designado por permanência do objecto. À medida que as crianças começam a evoluir intelectualmente compreendem que, quando um objecto desaparece de vista, continua a existir embora não o possam ver, pois ao saberem que esse desaparecimento é temporário, são libertas de uma incessante busca visual. A experiência de ver objectos nos primeiros meses de vida e, posteriormente, de ver os mesmos objectos desaparecer e aparecer tem um importante papel no desenvolvimento mental. Assim, podemos afirmar que a ausência de experiência visual durante o período crítico da aprendizagem sensório - motora, impede o desenvolvimento de estruturas mentais. Sendo durante este estádio que os bebés aprendem principalmente através dos sentidos e são fortemente afectados pelo ambiente imediato, mas contudo, sendo também neste estádio que a permanência do objecto se desenvolve, podemos então afirmar que, os bebés são capazes de algum pensamento representativo, muito semelhante ao do estádio seguinte, pois seria um erro afirmar que, sendo a sua fala, gestos e manipulações tão limitadas, não haveria pensamento durante o período sensório-motor. “Nada substitui a experiência”, é uma boa síntese do período sensório-motor do desenvolvimento cognitivo, pois é a qualidade da experiência durante este primeiro estádio que prepara a criança para passar para o estádio seguinte.

Estádio Pré-operatório (2 - 7 anos)

Este estádio também chamado pensamento intuitivo é fundamental para o desenvolvimento da criança. Apesar de ainda não conseguir efectuar operações, a criança já usa a inteligência e o pensamento. Este é organizado através do processo de assimilação, acomodação e adaptação.

Neste estádio a criança já é capaz de representar as suas vivências e a sua realidade, através de diferentes significantes:

- Jogo : Para Piaget o jogo mais importante é o jogo simbólico (só acontece neste período), neste jogo predomina a assimilação (Ex. : é o jogo do faz de conta, as crianças "brincam aos pais", "ás escolas", "aos médicos", ...). o jogo de construções transforma-se em jogo simbólico com o predomínio da assimilação (Ex. : Lego - a criança diz que a sua construção é, por exemplo, uma casa. No entanto, para os adultos "é tudo menos uma casa").

Inicialmente (mais ao menos aos dois anos), a criança fala sozinha porque o seu pensamento ainda não está organizado, só com o decorrer deste período é que o começa a organizar, associando os acontecimentos com a linguagem na sua acção.

A criança ao jogar está a organizar e a conhecer o mundo, por outro lado, o jogo também funciona como "terapia" na libertação das suas angustias. Além disto, através do jogo também nos podemos aperceber da relação familiar da criança (Ex. : Quando a criança brinca com as bonecas pode mostrar a sua falta de amor por parte da mãe através da violência com que brinca com elas).

- Desenho : Até aos dois anos a criança só faz riscos, sem qualquer sentido, porque, para ela, o desenho não tem qualquer significado.

A criança, aos três anos já atribui significado ao desenho, fazendo riscos na horizontal, na vertical, espirais, círculos, no entanto, não dá nome ao que desenha. Tem uma imagem mental depois de criar o desenho. Mas aos quatro anos a criança já é mais criativa e começa a perceber os seus desenho e projecta no desenho o que sente.

De um modo geral, podemos dizer que, neste estádio, o desenho representa a fase mais criativa e diversificada da criança.

A criança projecta nos seus desenhos a realidade que ela vive, não há realismo na cor, e também não há preocupação com os tamanhos. Nesta fase os desenhos começam a ser mais compreensíveis pelos adultos. A criança vai desenhar as coisas à sua maneira e segundo os seus esquemas de acção e não se preocupa com o realismo. Também aqui a criança vai utilizar a assimilação.

- Linguagem : A linguagem, neste período, começa a ser muito egocêntrica, pouco socializada, ou seja, a linguagem está centrada na própria criança. Ela não consegue distingir o ponto de vista próprio, do ponto de vista do outro e, por isso, revela uma certa confusão entre o pessoal e o social, o subjectivo e o objectivo. Este egocentrismo não significa egoísmo moral. Traduz, "por um lado, o primado da satisfação sobre a constatação objectiva... e, por outro, a deformação do real em função da acção e ponto de vista próprios. Nos dois casos, não tem consciência de si mesmo, sendo sobretudo uma indissociação entre o subjectivo e o objectivo...".Isto manifesta-se através dos monólogos e dos monólogos colectivos, (Ex. : quando num grupo de crianças estão todas a falar, dá a sensação que estão a conversar umas com as outras, mas não, estão sim todas a falarem sozinhas e ao mesmo tempo, ou seja, cada uma está no seu monólogo e assim manifesta o seu egocentrismo).

O termo egocentrismo, característica descritiva do pensamento pré-operatório, foi progressivamente sendo utilizado por Piaget, que o substitui pelo termo descentração.

A partir dos dois anos dá-se uma enorme evolução na linguagem, a título de exemplo, uma criança de dois anos compreende entre 200 a 300 palavras, enquanto que uma de cinco anos compreende 2000. Este aumento do número de vocábulos é favorecido pela forte motivação dos pais, ou seja, quanto mais forem estimulados (canções, jogos, histórias, etc.), melhor desenvolvem a sua linguagem. Neste estádio a criança aprende sobretudo de forma intuitiva, isto é, realiza livres associações, fantasias e atribui significados únicos e lógicos. Se atentarmos a uma experiência muito conhecida de Piaget em que é dado a uma criança dois copos de água com igual quantidade de líquido, embora um alto e estreito e outro baixo e largo, intuitivamente a criança escolhe o copo alto pois no seu entender este parece conter mais água.

- Imagem e pensamento : A imagem mental é o suporte para o pensamento. A criança possui imagens estáticas tendo dificuldade em dar-lhe dinamismo. O pensamento existe porque há imagem. É um pensamento egocêntrico porque há o predomínio da assimilação, é artificial. Na organização do mundo a criança dá explicações pouco lógicas.

Entre os 2 e os 7 anos distinguem-se dois subestádios: o do pensamento intuitivo e o do pensamento pré - conceptual. O pensamento intuitivo surge a partir dos 4 anos, permitindo que a criança resolva determinados problemas, mas este pensamento é irreversível, isto é, a criança está sujeita às configurações perceptivas sem compreender a diferença entre as transformações reais e aparentes. No pensamento pré-conceptual domina um pensamento mágico, onde os desejos se tornam realidade e que possui também as seguintes características:

Animismo - A criança vai dar características humanas a seres inanimados.Este animismo vai desaparecendo progressivamente, aqui salienta-se a importância do papel do adulto, na medida que, a partir, sensivelmente dos cinco anos, não deve reforçar, mas sim atenuar o animismo.

Realismo - A realidade é construída pela criança. Se no animismo ela dá vida às coisas, no realismo dá corpo, isto é, materializa as suas fantasias. Se sonhou que o lobo está no corredor, pode ter medo de sair do quarto.

Finalismo - Existe uma relação entre o finalismo e a causalidade. A criança ao olhar o mundo tenta explicar o que vê, ela diz que se as coisas existem têm de ter uma finalidade, no entanto, esta ainda é muito egocêntrica. Tudo o que existe, existe para o bem essencial dela própria. Também aqui o adulto reforça o finalismo. Vai diminuindo progressivamente ao longo do estádio, apesar de persistir mais tempo que o animismo, devido às atitudes e respostas que os adultos dão às crianças.

Com o decorrer do tempo, os pais terão de ensinar, à criança, novos conceitos, de modo a que futuramente ela não tenha dificuldade em aprendê-los.

Artificialismo - É a explicação de fenómenos naturais como se fossem produzidos pelos seres humanos para lhes servir como todos os outros objectos: o Sol foi aceso por um fósforo gigante; a praia tem areia para nós brincarmos.

Piaget, considerou a irreversibilidade uma das características mais presentes no pensamento da criança pré-operatória, para melhor entendermos este ponto, tomemos em conta a seguinte experiência:

Piaget perguntou a uma criança de quatro anos : "Tens uma irmã? Sim, e a tua irmã tem uma irmã? Não, ela não tem uma irmã". Através das respostas dadas pela criança Piaget apercebeu-se da grande dificuldade que estas têm em compreender a reversibilidade das relações. No seu entender, a criança não tem flexibilidade mental suficiente para compreender que quando uma determinada acção já está realizada podemos voltar atrás. Desta forma, podemos dizer que as estruturas mentais neste estádio são amplamente intuitivas, livres e altamente imaginativas.

Para concluir a abordagem a este estádio é importante referir que a criança ao contactar com o meio de forma activa está a favorecer a sua aprendizagem de uma forma criativa e original.

Este estádio é fundamental pois a criança aprende de forma rápida e flexível, inicia-se o pensamento simbólico, em que as ideias dão lugar á experiência concreta. As crianças conseguem já partilhar socialmente as aprendizagens fruto do desenvolvimento e da sua comunicação.

Estádio das operações concretas (7 - 12 anos)

Para Piaget é neste estádio que se reorganiza verdadeiramente o pensamento. Como já referi no estádio anterior as crianças são sonhadoras, muito imaginativas e criativas. É a partir deste estádio (operações concretas) que começam a ver o mundo com mais realismo, deixam de confundir o real com a fantasia. É neste estádio que a criança adquire a capacidade de realizar operações. Podemos definir operação como a acção interiorizada - realizada no pensamento, componível - composta por várias acções ; reversível - pode voltar ao ponto de partida. A criança já consegue realizar operações, no entanto, precisa de realidade concreta para realizar as mesmas, ou seja, tem que ter a noção da realidade concreta para que seja possível à criança efectuar as operações.

Para compreendermos qual o aspecto fundamental do período que estamos a analisar, voltamos a referir a experiência dos copos de água. Se no estádio anterior a criança não conseguia perceber que a quantidade era a mesma independentemente do formato do copo, neste estádio elas já percebem que a quantidade (volume) do líquido é a mesma, pois já compreendem a noção de volume, bem como peso, espaço, tempo, classificação e operações numéricas.

- Espaço - organiza-se pela organização diferenciada dos vários espaços. A criança vai conhecendo os vários espaços nos quais interage, organizando-os. Também aqui está presente a reversibilidade do real, onde o conceito de espaço está relacionado com o conceito de operação. O espaço isolado por si só não existe.

- Tempo - não há reversibilidade do real, o tempo existe apenas no nosso pensamento, os acontecimentos sucedem-se num determinado espaço, e o tempo vai agrupando-os.

- Peso - para que a criança domine este conceito é fundamental que compare diversos objectivos para os poder diferenciar.

- Classificação - primeiro a criança tem que agrupar os objectos pela sua classe e tamanho, depois os classificar e consequentemente adquirir conceitos.

- Operações numéricas - primeiro a criança aprende o conceito de número e seriação, por volta dos sete anos, depois a classificação da realidade, mas essa classificação vai variando conforme a aprendizagem que ela vai fazendo ao longo do tempo.

Apesar de neste estádio a criança já conseguir efectuar operações correctamente, precisa ainda de estar em contacto com a realidade, por isso o seu pensamento é descritivo e intuitivo /parte do particular para o geral). Ao longo deste período já não tem dificuldade em distinguir o mundo real da fantasia. A criança já interiorizou algumas regras sociais e morais e, por isso, as cumpre deliberadamente para se proteger. É nesta fase que a criança começa a dar grande valor ao grupo de pares, por exemplo, começa a gostar de sair com os amigos, adquirindo valores tais como a amizade, companheirismo, partilha, etc., começando a aparecer os líderes.

Progressivamente a criança começa a desenvolver capacidade de se colocar no ponto de vista do outro, descentração cognitiva e social. Nesta fase deixa de existir monólogo passando a haver diálogo interno. O pensamento é cada vez mais estruturado devido ao desenvolvimento da linguagem. A criança tem já mais capacidade de estar concentrada, e algum tempo interessada em realizar determinada tarefa.

Estádio das operações formais (11/12 - 15/16 anos)

A transição para o estádio das operações formais é bastante evidente dadas as notáveis diferenças que surgem nas características do pensamento. É no estádio operatório formal que a criança realiza raciocínios abstractos, não recorrendo ao contacto com a realidade. A criança deixa o domínio do concreto para passar às representações abstractas. É nesta fase que a criança desenvolve a sua própria identidade, podendo haver, neste período problemas existências e dúvidas entre o certo e o errado. A criança manifesta outros interesses e ideais que defende segundo os seus próprios valores e naquilo que acredita.

O adolescente pensa e formula hipóteses, estas capacidades vão permitir-lhe definir conceitos e valores, por exemplo estudar determinada disciplina, como a geometria descritiva e a filosofia. A adolescência é caracterizada por aspectos de egocentrismo cognitivo, pois o adolescente possui a capacidade de resolver os problemas que por vezes surgem á sua volta.

Como se efectua a passagem para o estádio seguinte

Por vezes, as crianças observam os adultos ou outras crianças mais velhas quando estão a resolver os problemas. Notam que o fazem de uma maneira diferente da sua, por meio de regras que pertencem a outro estádio desenvolvimento e, por isso, sentem-se perdidas. Mas este sentimento, que se deve à disparidade entre elas e os mais velhos na resolução de problemas, tem os seus pontos benéficos. A criança procura então reduzir a distância que a separa das outras, mais velhas e, por isso, aprende novas regras. Se a criança for suficientemente madura imitará o modelo de acção usado pelos mais velhos e, por consequência, iniciará a sua entrada no estádio seguinte. A aprendizagem de conceitos novos e de esquemas de comportamento pode pois ser efectuada socialmente, pela observação de outras pessoas.

|http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/psicologia/psicologia_trabalhos/cresccriancapiaget.htm






4 comentários:

  1. Gostei muito, vai ajudar bastante em meu trabalho... mas realmente queria ter acesso aos trabalhos publicados originalmente por ele :(

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  2. obrigado, eu pude encontrar exatamente o que precisava,espero que continuem ajudando outras pesssoas.

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  3. Grato, servirá de grande ajuda para elaboração do meu trabalho.

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  4. Vai ser muito útil pra mim,poder estudar.

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Freud e a Psicanálise

Freud e a Psicanálise de Paulo Gomes